DIREITOS


Saiba o que fazer em caso de dano provocado por manobrista

Tereza Rodrigues 7/2/2011

 Ao entregar as chaves nas mãos de um manobrista, o mínimo que se espera é que o carro fique em local seguro e protegido, certo? Entretanto, como têm aumentado as reclamações e evidências de que essa garantia ocorre somente na teoria, a dica é verificar regras simples para fugir de problemas que pareciam pouco prováveis a motoristas que não economizam para ter cautela. Como é pouco comum fazer vistoria antes e depois de colocar o veículo em um estacionamento ou de entregá-lo ao funcionário de um restaurante, por exemplo, não é tão simples comprovar que foi lá que ocorreu o dano, quando for o caso.

E problemas têm acontecido em diferentes esferas. Há os já conhecidos casos de batidas, arranhões e roubos de objetos dentro do veículo, mas muitos consumidores testemunham também armadilhas pouco imaginadas, como manobristas que saem para passear com o carro alheio e levam multas por desrespeitar leis de trânsito: excesso de velocidade, ultrapassagem de semáforo vermelho, conversões proibidas, estacionamento em locais proibidos estão entre as principais. Ter os pneus novos trocados por velhos, receber vazio o tanque de gasolina que estava cheio e perceber que não tem mais estepe também são surpresas nada agradáveis quando a reclamação se refere ao chamado serviço de valet.
Belo Horizonte ainda não tem lei para regulamentar a atuação dos manobristas, mas de acordo com o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, se o cliente confia a um estabelecimento a responsabilidade de vigiar o carro enquanto utiliza seus serviços, tem o direito de recebê-lo nas mesmas condições que o entregou. Geralmente, lojas e restaurantes oferecem o estacionamento como uma integração ao serviço fim, funciona como um atrativo para o cliente. E, mesmo assim, o fornecedor responde pelo que acontece lá dentro, e é corresponsável quando o serviço é terceirizado. Se ocorreu um dano enquanto, o consumidor desfrutava desse serviço extra, não é o dono do carro que precisa provar que ocorreu ali, cabe ao manobrista mostrar que não foi, explica.
As possibilidades de divergências em tais situações são muitas, até porque nem sempre os manobristas colocam os carros dentro de estacionamentos, mas sim têm como função apenas encontrar vagas na rua e evitar que o cliente precise perder tempo fazendo isso ou tenha que andar um trecho a pé. Nesses casos, a chance de ter câmeras de vigilância para provar o que realmente aconteceu são ainda mais remotas. É por isso que o bancário Cláudio Prates Correia afirma sua experiência negativa com um manobrista só serviu de alerta, pois ficou difícil comprovar quem foi o culpado pelo sumiço de um CD que estava no som do seu carro.

Entreguei as chaves ao manobrista que estava na porta do restaurante e só em casa percebi que o CD que estava ouvindo antes de jantar não estava mais lá. Conversei com um responsável pelo estabelecimento, mas ele disse que o serviço não foi oferecido pela casa e, por isso, não averiguaria nem responderia pela minha reclamação, relata Correia. O bancário acrescenta que, por ter o serviço cobrado na conta da refeição, sabe que há vínculo e teria direito a reparação do dano, mas como tem somente a palavra dele contra a do dono do restaurante sua atitude vai ser apenas deixar de frequentar o local.
Irregularidade

Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores, Lavadores, Guardadores, Manobristas e Operadores de Automóveis Autônomos em Estacionamentos Particulares e Lavajatos de Minas Gerais (Sintralamac), Martin dos Santos, há pouquíssimas empresas de valet regularizadas na capital mineira. Cerca de 90% dos manobristas atuam irregularmente e praticamente não há fiscalização. Os donos dos estabelecimentos colocam a responsabilidade nas costas desses autônomos, qu, por sua vez, não são fiscalizados, afirma. Martin reclama ainda que a profissionalização do setor deveria ser priorizada pelo poder público e também por empresários, que, segundo ele, ainda não enxergam o potencial da demanda. Quem organizar e prestar um bom serviço vai ganhar muito dinheiro, porque o usuário hoje está desprotegido, muitos manobristas que atuam na cidade hoje não têm nem carteira, diz.

O que diz o código
ART. 6 - São direitos básicos do consumidor:
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências

ART. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Fonte: Código de Defesa do Consumidor
Fique atento
Se houve furto de objetos ou avarias no veículo, reclame o quanto antes com o responsável pelo estabelecimento. Guarde recibos que comprovem a data - mesmo que tenha somente o do pagamento com cartão -; anote contatos de testemunhas e registre um Boletim de Ocorrência (B.O). Indenizações podem ser requeridas em algum Juizado Especial Cível.
No caso de multa recebida enquanto o carro esteve sob guarda de um manobrista, é possível entrar com recurso para pedir cancelamento da cobrança. A comprovação de que há uma ação correndo no Procon, por exemplo, pode ajudar.
Para se precaver de aborrecimentos, verifique se há segurança no local onde o carro será deixado.

Se for na rua, o melhor é evitar deixar as chaves.
  Fonte: Estado de Minas - Online <www.jurisway.org.br>

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Lei Seca: erro do legislador garante impunidade

O sujeito embriagado é surpreendido na direção do seu veículo. Ele é obrigado a soprar o bafômetro (etilômetro)? Ele é obrigado a ceder sangue para análise?
A lei seca (Lei 11.705/2008), dando nova redação ao art. 306 do Código de Trânsito brasileiro (que cuida da embriaguez ao volante, ou seja, dirigir embriado), passou a exigir uma taxa de alcoolemia objetiva (0,6 decigramas de álcool por litro de sangue). Ocorre que nenhum motorista pode ser obrigado a soprar bafômetro (etilômetro) ou submeter-se a exame de sangue para apurar dosagem alcoólica. Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo (por força do princípio da não auto-incriminação).
A prova técnica, no entanto, indicando com precisão a concentração sanguínea de álcool, é absolutamente indispensável para a incidência do crime por dirigir embriagado. A lei exige a comprovação do 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue. Sem a comprovação desse requisito legal não existe o crime. Olha o problema: a prova técnica é indispensável, mas o motorista não é obrigado a fazer essa prova técnica (porque ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo). Veja o impasse que o legislador criou! Veja o erro da lei!
No HC 166.377-SP, rel. min. Og Fernandes (j. 10.06.10), ficou reconhecida, uma vez mais, a inabilidade do legislador, que muitas vezes "vende" para a população o endurecimento da lei penal, mas acaba estabelecendo benefícios aos violadores da lei. A técnica legislativa nem sempre é acertada. O legislador atira no que vê e acerta o que não vê. Isso é comum. Quer mais rigor penal e acaba fazendo um texto que assegura a impunidade.
O desencontro entre o que ele pretende (mais rigor penal) e o que ele efetivamente escreve é mais do que patente. E é claro que o juiz (o judiciário) não pode fazer malabarismos em cima do texto legal para salvar o objetivo punitivista (moralizador, repressivo) do legislador.
A impunidade está garantida. Por erro do juiz? Não, por erro do legislador que, no afã de punir tudo e todos, parte de uma concepção autoritária do direito, esquecendo-se que o processo penal conta com regras constitucionais, legais e internacionais que protegem os direitos dos acusados.
Antes da reforma legislativa promivida pela lei seca (Lei 11.705/2008), o CTB (no seu art. 306) não falava em nenhuma taxa de alcoolemia. Com a nova redação dada ao art. 306 do CTB, a dosagem etílica passou a ser exigida expressamente pela lei (isto é, passou a integrar o tipo penal, em linguagem técnica). Agora, só se configura o delito em apreço (direção embriagada) com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue (0,6 decigramas de álcool por litro de sangue), que não pode ser presumida ou medida de forma indireta, como por prova testemunhal ou exame de corpo de delito indireto ou supletivo. A lei exige prova técnica direta e objetiva. É preciso comprovar tecnicamente a taxa de álcool no sangue.
"Aparentemente benfazeja [benéfica], essa modificação legislativa trouxe consigo enorme repercussão nacional, dando a impressão de que a violência no trânsito, decorrente da combinação bebida e direção, estaria definitivamente com os dias contados", observou o ministro Og Fernandes no HC 166.377-SP. "Entretanto, com forte carga moral e emocional, com a infusão na sociedade de uma falsa sensação de segurança, a norma de natureza até simbólica, surgiu recheada de dúvidas."
Esse é um problema relativamente comum na legislação penal brasileira: "vende-se"a lei penal ("dura") como "solução" para o problema da insegurança, mas isso é puramente "simbólico", porque, na realidade, a lei muitas vezes é (equivocadamente) feita de forma a garantir a impunidade (não a repressão). A lei brasileira, às vezes, vende gato por lebre!
De acordo com a decisão do STJ (no HC 166.377-SP), a ausência da comprovação por meios técnicos impossibilita precisar a dosagem de álcool e inviabiliza a adequação típica do fato ao delito, o que se traduz na impossibilidade da persecução penal (ou seja: na impunidade).
"Procurou o legislador inserir critérios objetivos para caracterizar a embriaguez – daí a conclusão de que a reforma pretendeu ser mais rigorosa", observou o ministro Og Fernandes na decisão. "Todavia, inadvertidamente, criou situação mais benéfica para aqueles que não se submetessem aos exames específicos", completa.
Luiz Flávio Gomes

Fonte:
GOMES, Luiz Flávio. Lei Seca: erro do legislador garante impunidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2674, 27 out. 2010. Disponível em: . Acesso em: 13 fev. 2011.